quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Denegar em vez de reflectir



Entrou o ano 2014. Para muitos em todo o mundo as perspectivas para os próximos tempos não são muito diferentes do que têm sido até agora. Todos queixam-se do desemprego, da diminuição do rendimento disponível, da falta de oportunidades para os jovens, do aumento das desigualdades sociais e do crescimento anémico que ameaça entender-se por mais alguns anos. Em Cabo Verde, paradoxalmente, considerando a sua fragilidade, o governo proclama que conseguiu “aguentar” os efeitos da crise internacional mesmo num ano exigente e desafiante como foi 2013.


A crise financeira, já com mais de cinco anos, acabara com as ilusões de que era possível manterpor tempo indeterminado um ritmo vertiginoso de crescimento movido pelo crédito fácil e quase sem riscos. Depois de 2008 viu-se como a crise metamorfoseou-se sucessivamente em crise económica e social e posteriormente em crise da dívida soberana. As políticas adoptadas para sanar a situação da dívida e recuperar a competitividade em várias economias avançadas traduziram-se no imediato em quebras graves no crescimento e no emprego com impacto a nível global. Neste mar de más notícias nem o optimismo quanto ao desempenho dos países emergentes e ao papel que podiam assumir como locomotivas da economia mundial se salvou.


A natureza das mudanças em curso nas economias nacionais e a evolução futura das relações internacionais e da própria globalização têm sido motivo de muito debate e levado a posicionamentos diversos. O desnorte provocado tem levado a confrontos de ideias a vários níveis. Posicionamentos divergentes manifestam-se em instituições internacionais (FMI) e supranacionais (EU, BCE) e entre académicos de renome. Países do Sul da Europa enfrentam os do Norte sobre qual o melhor caminho para ultrapassar as ameaças ao euro e à união monetária. A nível nacional os partidos dividem-se quanto à bondade das políticas de austeridade e de estímulo e populismos diversos agitam a população contra programas da Troika que visam restaurar a sustentabilidade financeira. Em toda esta agitação ninguém está seguro de qual o caminho de saída. Todos sabem porém que nada será igual ao que anteriormente existia e que, face ao novo quadro das relações económicas emergentes, há que adoptar uma atitude radicalmente diferente.


Em Cabo Verde, a postura perante a crise e as mudanças globais que está a gerar tem sido completamente diferente. Em vez de levar à reflexão leva a denegação. Primeiro, deixa-se fazer escola a ideia que o país estaria blindado contra a crise. Posteriormente, com a crise aceite como ameaça real, o discurso vira-se para assegurar o país de que ela poderia ser “aguentada” sem que, nas palavras do Primeiro-Ministro, se pedisse à população que “apertasse o cinto”. O discurso da importância vital da ajuda externa continua subjacente a todas intervenções públicas. Mesmo quando se adopta a linguagem do empreendedorismo, da inovação, do apoio ao sector privado, apercebe-se que no essencial se trata de mais um mise-en-scène. As ligações burocráticas e também políticas dessas iniciativas com os organismos que o governo cria para o efeito são prova disso assim como também o é o estado actual do sector privado sem o suporte das políticas públicas que o exemplo bem sucedido dos países do Sudeste asiático aconselharia. Noventa e dois por cento das empresas cabo-verdianas tiveram resultados negativos em 2012.


A história económica recente confirma que nenhum país se desenvolveu com base na ajuda externa. Todos os países que conseguiram dar o salto, fizeram-no com apostas na educação que dá empregabilidade, no ambiente de negócios que atrai investimento externo, na criação de condições legais, institucionais, infra-estruturas e qualidade da mão-de-obra que assegura competitividade e na adopção de uma atitude favorável ao desenvolvimento de uma cultura de serviço e ao aumento de trocas com o mundo. A ajuda não pode ser um fim em si mesmo. Os doadores certamente agradeceriam se uma atitude consentânea com esse princípio fosse adoptada.


Vários autores, ultimamente Angus Deaton, da Universidade de Princeton, no seu livro “The Great Escape”, vêm demonstrando quão similares são os males resultantes da dependência da ajuda e do petróleo. Os governos tornam-se autocráticos, o potencial das pessoas e dos seus empreendimentos não se realiza e praticamente se institucionaliza o desperdício de recursos, seja em elefantes brancos, projectos abandonados e prioridades trocadas. Nos tempos actuais de grandes mudanças é fundamental que a captação da ajuda deixe de ser a função central da governação. Neste ano de 2014 Cabo Verde deverá fugir desse paradigma e reorientar-se para desenvolver os seus recursos próprios, ganhar sustentabilidade, criar riqueza e garantir emprego à sua gente.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 8 de Janeiro de 2014             Humberto Cardoso

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