quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Reformatar o Governo



Um dos dísticos dos manifestantes do 20 de Janeiro último convidava a um click no “sim” para se formatar o governo. Denotava a impaciência geral para com a postura do governo no tratamento de um conjunto de questões. Os governantes repetem várias vezes que querem diálogo, mas para além de encontros mediáticos que mais parecem exercícios de relações públicas pouco ou nenhum avanço se nota. Questões concretas como o emprego e o crescimento económico arrastam-se sem que se vislumbre saídas para a actual situação de diminuição do investimento público e de recuo do investimento privado nacional e estrangeiro. As pessoas e a sociedade começam a dar sinais de cansaço e já há quem peça uma mudança séria na relação entre governantes e governados.


Na semana passada, por exemplo, houve encontros com os sindicatos por iniciativa do Primeiro Ministro. Esperava-se diálogo que mas não deram em nada. O PM há muito que dissera que a manifestação marcada não tinha razão de ser. E aos sindicatos aparentemente não foi apresentado qualquer elemento novo que os pudesse dissuadir da intenção de organizar o protesto público. Simulações do género têm-se tornado demasiado habituais variando os interlocutores. Desta vez foram os sindicatos, mas de outras vezes os convidados tinham sido as câmaras de comércio, associações empresariais, partidos políticos da oposição e até confissões religiosas. Para além do ganho político imediato do governo em parecer dialogante não se vêem resultados dessas idas ostensivas ao palácio do governo.


O entendimento que o governo tem da sua relação com a sociedade e com os vários actores sociais ficou mais uma vez patente no discurso de apresentação de cumprimentos ao Presidente da República. O Primeiro Ministro apresenta um “Estado forte, visionário, estratega, regulador e catalisador da dinâmica reformista e transformacional” que para realizar o bem comum exige dos cidadãos “deveres e responsabilidades”. Ao longo de todo o discurso o PM esforça-se por mostrar que se imputa ao Estado falhas e fracassos mas que o défice, de facto, é de diálogo, tolerância e responsabilidade. Partindo do princípio que não está a fazer autocrítica, esse apontar de dedo do PM só pode estar a dirigir-se para sociedade e para os agentes económicos sociais e políticos. Da mesma forma que para aí é que vão as referências ao “facilitismo e demagogia” também presentes no discurso.


Curiosamente para o PM o comprometimento político para o emprego e o crescimento não é produto de um processo político negocial em que interesses de vários intervenientes, livremente expressos, se adequam para atingir objectivos acordados. Resulta sim da aceitação com “sentido de dever e responsabilidade” e sem questionamento pelos parceiros do papel que o Estado com a sua agenda de transformação lhes confere. Não há negociação, mas sim anuência ou mesmo capitulação perante as propostas do governo. Consenso significaria isso mesmo.


No domínio político tem sido essa a prática com os partidos da oposição. Simulacros de diálogo alternam-se com momentos de crispação num jogo sem fim. Tudo para que a posição do partido, que já se vê hegemónico, prevaleça mesmo nas situações em que a exigência de maioria de dois terços obrigaria a acordo entre as partes. As mesmas tácticas aplicam-se nas relações com os parceiros sociais. Viu-se recentemente no conflito com as farmácias como se sacrificaram desnecessariamente os utentes só para marcar um ponto político: sustentabilidade do INPS nos termos pretendidos pelo governo. Também deixam-se transparecer nas acusações a jovens desempregados de não quererem trabalhar e ao sector privado de não querer investir. Aponta-se o dedo enquanto o governo faz orelhas moucas para a necessidade de garantir que os investimentos públicos produzam maior número de empregos para nacionais e sirvam de impulso para a actividade empresarial local. Nos casos que se arrastam de devolução do IVA, de retorno do IUR e outras arbitrariedades do fisco a “Raison d´État” da necessidade de receitas prevalece sobre as considerações como viabilidade de empresas e o reforço do poder de compra de muitos com fraco rendimento. O argumento é brandido mesmo quando o relatório do FMI vem provar que as dificuldades actuais advêm em boa parte da ineficácia da administração tributária em arrecadar os impostos legalmente estabelecidos.


Sente-se no discurso do governo e de alguns próximos o ênfase posto na legitimidade da maioria em governar sem grandes constrangimentos. Peca por excesso quando implica que: 1. Indivíduos e sociedade civil devem quedar-se por deveres e responsabilidade na realização da visão e das políticas da maioria governativa; 2. A autonomia de acção e a liberdade em fazer conhecer interesses diversos devem ser coarctadas; 3. A crítica deve ser “construtiva” e o assacar de responsabilidades deve limitar-se ao momento das eleições. Há autores que chamam a construções similares de democracia totalitária. Tendem a aparecer sempre que os partidos deixam de se se ver em pé de igualdade com outros num processo plural de definição do interesses público e pensam ser a incarnação do bem geral. A partir daí traçam um caminho e esperam que os outros assumam os papéis distribuídos. As manifestações do dia 20 demonstram que o sentimento geral em Cabo Verde é que não é essa a via a seguir. A opção dever ser clickar no sim e reformatar a governação do país.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 22 de Janeiro de 2014 Humberto Cardoso

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