quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ponto de viragem na Uni-CV?



A eleição do Reitor da Uni-CV no próximo dia 31 de Janeiro pode vir a revelar-se um ponto de viragem nos destinos da universidade pública de Cabo Verde. Desde logo, espera-se que a Uni-CV comece a trilhar um caminho de maior autonomia designadamente nos aspectos científico, pedagógico, a administrativo e financeiro. Os professores, alunos e funcionários que irão votar no novo reitor têm a oportunidade e a responsabilidade de seleccionar a melhor via de fazer essa instituição académica ir ao encontro das grandes expectativas nela depositada. A existência de três candidatos e a dinâmica gerada na discussão das respectivas plataformas programáticas augura que, independentemente de quem for escolhido, uma nova vida impulsionará as actividades da Uni-CV. O futuro do ensino superior em Cabo Verde depende muito do que a universidade pública conseguir ser e realizar.


Os sucessivos adiamentos do momento para habilitar a Uni-CV com uma direcção eleita, não obstante os prazos legais estabelecidos para o efeito, deixam transparecer alguma relutância da parte do governo em libertá-la de uma tutela estrita. A suspeita quanto à intenção do governo em manter mão pesada sobre a universidade ganhou peso com a transformação do então reitor em deputado e logo depois em ministro de um novo ministério de tutela da universidade. Não ajudou que, nos seus primeiros actos, o novo ministro e ex-reitor tivesse adiado as eleições e nomeasse directamente um reitor apesar dos protestos generalizados na comunidade académica. Não escapa a qualquer observador atento a atracagem da Uni-CV à agenda do governo. Em causa ficou a independência da instituição face ao poder político, condição indispensável para que as universidade realizem o grande objectivo de se afirmarem como centros de discussão livre de ideias e de manifestação de correntes filosóficas, estéticas e cientificas e também como centros de criação intelectual e de ensino.


A sociedade cabo-verdiana confronta-se actualmente com a situação de ter, em pouco mais de cinco anos,milhares de jovens com licenciatura à procura de emprego num ambiente que olha com desconfiança para os seus diplomas. Formados na dezena de “universidades” que rapidamente se instalaram nos últimos anos, deparam-se com um aparelho do Estado já sobrelotado e com uma economia incapaz de criar postos de trabalho em volume e ritmo desejados. A coroar essas dificuldades constata-se significativa desadequação entre as áreas de formação escolhida ou disponibilizada pelas escolas superiores e as necessidades do mercado de trabalho. A deficiente empregabilidade dos cursos e a fraca qualidade dos mesmos tem sido uma grande fonte de frustração dos jovens e também das suas famílias. Muitos fizeram sacrifícios extraordinários para que os filhos pudessem completar um curso superior e ambicionar uma vida melhor. Vê-los sem esperança de realizar o sonho dilacera a alma e representa encargos acrescidos seja nos pagamentos dos empréstimos seja no sustento continuado dos filhos ainda sem rendimentos próprios.


Nos anos da década passada vivia-se uma euforia. Todos pareciam congratular-se com a capacidade autóctone de criar universidades e por essa via absorver os milhares de jovens que quase em enxurrada saíam das mais de três de dezenas de liceus espalhados pelo país. No meio do entusiamo muitos não quiseram notar que economia não tinha criado empregos suficientes para os jovens com liceu completo. Nem tão pouco prestaram atenção à baixa qualidade do ensino das ciências e matemática e à fraca competência linguística a começar pelo português. O governo tinha abandonado qualquer esperança de cumprir a meta do crescimento a dois dígitos e desemprego a um dígito. Interessava ocupar os jovens e o prosseguimento dos estudos em universidades era a solução ideal para se diminuir a tensão social. As eleições estavam à porta. A universidade pública deu o mote e as outras seguiram em facilitar o ingresso nos cursos superiores. Naturalmente que algo teria que ser sacrificado. A celeridade com que se criavam cursos não podia deixar de pôr em causa a sua qualidade e adequação ao mercado de trabalho.


Os objectivos políticos provavelmente foram conseguidos, mas com prejuízo enorme para o grande objectivo de se ter uma universidade pública e um ensino superior em Cabo Verde à altura dos seus desafios. País sem recursos naturais, Cabo Verde depende da utilização óptima dos seus homens e mulheres. Sem ensino de qualidade, sem capacidade de desenvolver pensamento crítico e criativo e sem uma cultura de excelência, dificilmente será possível conseguir os níveis de crescimento de produtividade necessários para criar riqueza e propiciar prosperidade futura. Manter a universidade sob rédea curta do poder político centralizador, ajuda a cultivar o conformismo, a mediocridade e o carreirismo, quando o que se precisa é de espírito criativo, empreendedor e focalizado nos resultados. Que as eleições de 31 de Janeiro façam soltar as amarras da universidade pública e a deixe cumprir o papel que dela se espera num Cabo Verde livre e próspero.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 29 de Janeiro de 2014 Humberto Cardoso

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