sábado, 2 de outubro de 2010

Provocações

Várias foram as provocações feitas no colóquio do PAICV pelo Dr José Maria Neves: “Cabo Verde teve um percurso constitucional notável desde 1975”. “MpD expulsou a oposição do processo de revisão constitucional”. “Há uma nova Constituição em 2010”. Com a primeira afirmação, o Primeiro Ministro varre ganhos de civilização condensados no art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de há 300 anos:A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. E para quê? Para justificar um regime do passado que se situou nos antípodas da democracia e do Estado de Direito. O artigo 16º da DDHC deixa claro que a a LOPE, a Constituição de 1980 e mesmo a constituição revista de 1990 não preenchiam os requisitos básicos de uma Constituição. Mas o PM não ficou por aí. Relembrou ainda a “generosidade” do partido único que impôs a ditadura, como “forma a congregar todas as vontades e as competências nacionais, visando a salvação nacional de Cabo Verde enquanto Nação”. Na segunda afirmação, acusa o o MpD de não ter transformado o parlamento eleito numa assembleia constituinte. Quer que se esqueça que o PAICV, durantre o processo de transição, rejeitou sempre a ideia de eleição de uma Assembleia Constituinte. O PAICV justificou-se, então, com a revisão da Constituição que unilateralmente fez a 29 de Setembro de 1990. Disse que era o suficiente. Os caboverdianos, porém, não concordaram e no dia 13 de Janeiro deram ao MpD dois terços dos votos para completar a mudança do regime com uma nova Constituição. Agarrado à ideia de legitimar o seu passado, o Paicv não podia concordar com uma nova Constituição. Queria continuidade e não ruptura. Por isso, não precisava que ninguém o expulsasse do processo. Ele próprio se excluiria, assim como fez, abandonando a sessão plenária da Assembleia Nacional. Na terceira afirmação vê-se como o PAICV não acredita no constitucionalismo e arranja formas de sempre o pôr em causa. Houve uma revisão da Constituição mas quer falar de uma nova constituição. Provavelmente até advoga uma nova república. Para que, parodiando a célebre frase de Lavoisier, se veja que "nada se consolida, nada é certo e nada se institucionaliza. Tudo se transforma em matéria de arremesso político-partidário". Portugal já vai na sétima revisão constitucional desde 1976. Será que se devia falar na décima república portuguesa? O ridículo que com essas tiradas se atrai para o processo democrático é deliberado. Assim como é deliberado o acto de impedir o Estado de se juntar à comunidade nacional na celebração das datas que, invocando liberdade e pluralismo, renovam a unidade de todos num objectivo comum. Garante-se com isso que os caboverdianos ficarão divididos e à mercê dos que já demonstraram saber como jogar na divisão para manter o Poder.

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