domingo, 8 de janeiro de 2012

Delegado do Governo?

O Primeiro Ministro, na apresentação da Dra. Filomena Vieira como candidata a presidente da Câmara diz que São Vicente precisa de um discurso “competente e responsável” para reivindicar para a ilha. Curiosa essa noção do Poder Local que parece resumir-se à capacidade de reivindicar recursos de um poder centralizado. Não se sabe onde ficam a lealdade institucional e o respeito pela autonomia local que a Constituição impõe nas relações entre o governo e as câmaras, nem tão pouco a justa repartição dos recursos do Estado que deve acompanhar a assunção plena das atribuições e competências pelas autarquias. Mas, segundo o PM, o que importa é ter “bom discurso e boa ambição”. E a candidata esclarece o significado dessa frase dizendo que “São Vicente precisa mais do PAICV do que o PAICV precisa de São Vicente”. Ou seja, há que alinhar com o PAICV para que São Vicente ganhe. Nessas frases, fica clara a relação paternalista e de subjugação que o PAICV entende deva existir entre o governo e as câmaras e compreende-se muito do marasmo que passa por São Vicente na última década. Assim como também se compreende a perda de muitas oportunidades e a falta de investimentos no tempo certo e devidamente encadeados num quadro estratégico de restauro de dinâmica à ilha. O PAICV sempre quis que São Vicente soubesse que sofria com a sua teimosia em eleger câmaras de cor política diferente. Ao longo de todos estes anos em que se acendiam e se apagavam esperanças em São Vicente, decorria, de facto, um jogo de “gato e rato” para forçar as escolhas dos munícipes. Em 2000, o PAICV chamou de São Tomé ao trabalho gerado pelas fábricas do Lazareto. De seguida, já no governo, fez desaparecer por vários anos o investimento externo na ilha com perda de milhares de empregos. Para ganhar as eleições, em 2005, acenou com o projecto de porto de águas profundas e do aeroporto. Depois, em 2007, foram os projectos de hotéis e resorts no valor 3 biliões de dólares, segundo o então Ministro de Economia, José Brito. O porto prometido ficou pelas intenções, o aeroporto foi inaugurado quando já a bolha imobiliária tinha arrebentado e os projectos turísticos perderam-se nos múltiplos atrasos gerados pela inércia, ganância e a luta partidária do Governo nas eleições autárquicas de 2008. São Vicente terminou a década com a maior taxa de desemprego do país, uma situação social crítica e um espírito cansado pela falta de perspectiva do governo quanto ao desenvolvimento da ilha. Agora vem o primeiro-ministro dizer que a solução para ilha é simplesmente render-se a um “delegado do governo” cujas reivindicações, porque acompanhadas de “generosidade, do espírito da paz e de um bom sorriso” serão admitidas. Espantoso como, mais uma vez, se reforça a crença que o problema de Cabo Verde é redistributivo. Ou seja, que se trata simplesmente de relocalizar recursos que estão algures e cada um tomar o seu quinhão. Que para isso, dependente do ponto de vista, a solução passa por descentralizar ou por criar câmaras alinhadas com o Governo. Ao alimentar essa perspectiva indigente de desenvolvimento, o Governo procura fugir da responsabilidade de fazer crescer o país de forma a criar empregos sustentáveis e de qualidade, ao mesmo tempo que reproduz a mentalidade assistencialista e de dependência que tão bem serve os seus desígnios de poder. A partir desta posição, pode tranquilamente punir municípios sonegando recursos, criar poderes paralelos aos órgãos autárquicos eleitos nas entidades ad hoc que subsidia directamente e desencadear campanhas de sedução para atrair votantes. São Vicente depois da punição, vai agora ser submetida a ondas sucessivas de sedução para disfarçar a capitulação a quem, com as suas opções centralizadoras e controladoras, roubou à ilha oportunidades para desencadear a dinâmica, a autonomia e a voz própria necessárias para reequilibrar o país e acelerar o seu crescimento. A sequência de acontecimentos na última semana que culminou com apresentação da candidatura do PAICV relembra tácticas anteriores: a pressão perseguidora fez-se sentir outra vez sobre Isaura Gomes e acenou-se São Vicente com glórias passadas baptizando o navio Guardião na ilha, não obstante a sede da Guarda Costeira se situar na Praia, enquanto o PM deixava claro que só haverá progresso para ilha com unidade de todos “cristãos e protestantes” e “gentes de todas as cores” na candidatura do PAICV.

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