O insólito reina no discurso
político cabo-verdiano. O que mais se ouve falar é de que está em curso uma
grande Agenda de Transformação. Baldes de água fria surgem às vezes de repente
para pôr freio a certo tipo euforia. É o caso das declarações feitas
recentemente pela ministra das Finanças quando confrontada com as críticas do
FMI às estruturas do ministério ligadas ao fisco. Disse peremptoriamente: “Até este momento
caminhamos graças à generosidade da comunidade internacional, quer em termos
dos fluxos da ajuda pública ao desenvolvimento, quer em termos dos empréstimos
concessionais. Este paradigma tem de ser mudado e temos de ter a coragem de
criar as condições para mudar”. A ministra não só constata que a dependência externa persiste
e está bem enraizada, mas que será necessário algum feito corajoso, quiçá
heróico, porque é provavelmente muito difícil ou talvez contranatura, mudar as
coisas.
A pergunta que fica no ar é:
por que caminhos tem andado Cabo Verde que o mantém quase 38 anos depois da
independência ainda sujeito à generosidade dos outros? Certamente qua não os
mesmos das ilhas Maurícias que não obstante ser só sete anos mais velho como
país independente tem quase o triplo do rendimento per capita de Cabo Verde. Ou
então os caminhos das ilhas Seychelles e de outras economias pequenas e
insulares que não se deixaram seduzir pela ajuda externa. Pelo contrário,
aproveitaram as facilidades de acesso aos mercados para exportar bens e
serviços. E sem inibições, mas com sabedoria, desenvolveram o turismo pondo em
bom o uso a magia, a beleza e a tranquilidade associadas ao ambiente insular.
Em Cabo Verde, optou-se por passar para a comunidade internacional a “imagem de
bons meninos” e daí tirar dividendos sem pensar no dia de amanhã, mas sempre
com discursos de transformação. Até se inventou um nome pomposo para isso – “exportar
credibilidade”.
As dificuldades que a
ministra das Finanças já pressente no mudar de paradigma não são imaginárias.
Viver uma farsa com o fito de granjear assistência contínua de outrem acaba por
afectar o Estado, os indivíduos e o tecido económico-social e cultural de uma
forma que certamente não se encontrará em economias viradas para o exterior.
Assim é porque descentralização de decisões, iniciativa, espírito de
cooperação, meritocracia e cultura de resultados são necessários para se triunfar
no mundo global. Muito diferente é estruturar-se para gerir a generosidade dos
outros.Na esteira da obsessão pelo controlo dos recursos disponibilizados vem o
centralismo, a burocracia, o egoísmo e uma cultura fixada em processos e em
conseguir “mais e mais meios” em detrimento de realizações sustentáveis e
potenciadoras do engenho e energia das pessoas.
Muitos dos males
institucionais, sociais e políticos em Cabo Verde derivam do facto de o Estado
se colocar no topo da cadeia alimentar e estender os seus tentáculos para se
assegurar que todos, indivíduos, empresas e organizações sociais dependam da
sua generosidade. O movimento para a regionalização em várias ilhas é, em boa
parte, uma reacção ao centralismo, à macrocefalia e a assimetrias diversas que
resultam da postura de controlo. Iniciativas como o da cimeira do
Primeiro-ministro com os presidentes das câmaras na passada sexta-feira não dão
sinais de irem além do show off. Até parecem gestos vazios face às reiteradas
tentativas de diminuir as atribuições e a autonomia dos municípios. No mesmo
sentido vão as acções do Estado junto dos jovens e idosos. Sente-se excesso de
politização no que deviam ser actos de solidariedade colectiva para com os
elementos mais vulneráveis da comunidade.
Para fazer marchar a economia
e para a criação de empregos não se nota o mesmo empenho. A forma quase
distraída descrita no relatório do Banco Mundial como o Governo encara o
turismo, o impulsionador da economia e grande criador de empregos, dá conta
disso. Nessas matérias que são fundamentais para a autonomia, rendimentos e
auto-estima das pessoas, o governo retrai-se com justificações de
responsabilidade partilhada ou com desconhecimento das razões por que o sector
privado não investe.
Nesta fase em que o governo se
vê forçado a ir além do seu modelo de reciclagem da ajuda externa nota-se a
intensificação da propaganda. Até faz lembrar momentos pré- eleitorais.
Agarra-se a tudo para marcar presença intoxicante na comunicação social:
Tubarões Azuis, eleição do Papa, índice de desenvolvimento humano, convite de
Obama. Lembra certos governos da Europa pouco antes de perderam nas urnas. Mas
não se pode governar com propaganda. Os cabo-verdianos têm direito de saber a
verdade da situação do país para melhor poderem posicionar-se para o que o seu
futuro seja escrito com a sua participação, conhecimento e vontade de vencer.
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