quarta-feira, 27 de março de 2013

Imagem não é tudo

 Um estudo recente de opinião do Centro de Investigação de Gestão da Lusófona deixa transparecer a forma desconcertante como os cabo­verdianos continuam a encarar os resultados da governação actual do país. Nos inquéritos feitos dá-se maior nota à imagem de Cabo Verde projectada para o exterior enquanto classificam como negativo a Econo­mia e a Competitividade, as Finanças Públicas, a Honestidade na gestão do governo, a Electricidade, a Água e o Emprego e Formação Profissio­nal. Parece não haver qualquer ligação entre a imagem do país e o que normalmente deveriam ser os seus pressupostos. E o governo não ainda é suficientemente penalizado pela falta de perspectivas e de emprego a curto e médio prazo.
A aparente dissonância cognitiva é resultado directo da forte propa­ganda do Estado. Veja-se o grande alarido governamental e institucio­nal que se segue a quaisquer boas referências ou ajudas vindas do exte­rior. A propaganda, porém, só tem o eco desejado porque se incutiu na população a importância central da ajuda externa para a sobrevivência do país.
Durante décadas a fio promoveu-se uma economia com base na reci­clagem de donativos e empréstimos concessionais. Para a relação com o mundo importava ser .credível e útil.ficando em segundo plano a cons­trução de uma base produtiva e de prestação de serviços. Vivendo da generosidade dos outros e sem suporte próprio e autónomo abriu-se o caminho para o paternalismo do Estado e dos governos e para o confor­mismo da população. A falta de dinâmica interna não permite às pesso­as sonhar com rendimentos e qualidade de vida de acordo com a moti­vação, energia e criatividade que consigam mobilizar individualmente ou em empresas. Têm que ajustar as suas expectativas de progresso ao que o governo consegue extrair da comunidade internacional.
Em tal ambiente fica evidente que dificilmente se desenvolve uma cultura de responsabilização do governo. A tendência geral é para cada um procurar situar-se de forma a retirar o máximo do sistema. O go­verno por seu lado reforça a sua legitimidade extrapolando o seu papel em manter os fluxos externos. Na democracia com os ciclos eleitorais periódicos, a vontade de se manter no poder torna a propaganda mais intensa e permanente. No processo sorve recursos significativos do Es­tado, mina o pluralismo e reforça o espírito dependente dos cidadãos.
Passam os anos e torna-se cada vez mais difícil encontrar caminhos para a sustentabilidade futura ao país. De passagem, desperdiçam-se oportunidades, gastam-se energias e frustram-se ambições no embate com um sistema, com uma cultura e com pessoas que só se revêem no modelo de uma economia de renda. E ninguém podia ignorar que tal modelo um dia iria acabar.
Hoje o governo pretende escudar-se na crise internacional para justi­ficar a diminuição de donativos e o fim do acesso dos empréstimos con­cessionais. Mas isso há muito que fora anunciado. Como não aconteceu a transformação que há mais de uma década vem apregoando, não há investimento e exportações que substituam as transferências externas. Sente-se no dia-a-dia a perda de dinâmica de vários sectores de activi­dade. Mas as acções de propaganda continuam e o governo não parece incomodar-se mesmo quando a incompetência bate à porta da sua má­quina de arrecadar receitas.
O governo continua a classificar de profetas de desgraça e de pes­simistas quem lhe propõe outros caminhos para a sustentabilidade do país que não a vã procura de novos doadores. E insiste em manter o país preso à ilusão de que de alguma forma saberá mobilizar recursos para substituir os perdidos. A cobertura mediática das viagens recentes do Primeiro-Ministro à China e a Singapura visou precisamente isso. As múltiplas declarações do PM desde o convite feito por Obama a quatro países africanos incluindo Cabo Verde só se justificam com tendência de fazer de toda a comunicação do governo propaganda.
Há que mudar. Há que confrontar os atrasos estruturais e encontrar caminhos para uma dinâmica de sustentabilidade do país. Há que o fa­zer em diálogo honesto com a população e num contraditório útil e res­peitoso com as forças da oposição e a sociedade civil. 

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Março de 2013  

Sem comentários:

Enviar um comentário