sábado, 2 de março de 2013

Desencontros com a realidade



A Ministra de Finanças no discurso de abertura do IV Fórum Consultivo do Terceiro Documento de Estratégia de Crescimento e Redução da Pobreza disse que o desafio do Governo é fazer os investidores perceber que o processo de infra-estruturação do país está a colocar oportunidades de negócio sobre a mesa. Acrescentou ainda que cabe ao sector privado agarrá-las. Com tais declarações o governo põe-se na posição de criador de oportunidades de negócios fundamentalmente via programas de infra-estruturas e atribui a investidores e operadores privados o papel de as concretizar. Uma posição conveniente porque depois desta “distribuição de tarefas” pode não ficar claro a quem exigir responsabilidade. Particularmente quando, como é o caso actual, nem o crescimento económico nem a prosperidade prometidos no arranque das obras dão sinais de acontecer.


O país endividou-se muito nos últimos anos para fazer a infra-estruturação referida pela ministra de Finanças. Uma dívida que o FMI estima que no corrente ano de 2013 atinge 93,4% do PIB e que projecta para 2014 o valor de 97,6% do PIB. O problema é que a promessa de que na sequência do investimento viriam investimentos, designadamente capital directo estrangeiro, num processo de “crowding in” não se verificou. Pelo contrário os privados nacionais sofrem os efeitos do “crowding out ”, ou seja, o Estado procura financiar-se para fazer face à quebra de receitas e da ajuda orçamental e compete com eles no acesso ao crédito. E sem financiamento não se se vê como o sector privado nacional vai cumprir o seu “papel” de agarrar oportunidades.


Há claramente um mau cálculo no fazer as coisas quando se investe e daí não resulta crescimento nem criação significativa de emprego. A empresa de notação financeira Fitch, na semana passada, considerou negativo o outlook para Cabo Verde. E as razões forem claras: a continuação do rácio da dívida pública/PIB na actual trajectória ascendente insustentável; a persistente falta de claridade na performance macroeconómico devido a falta de dados fiáveis; o fraco potencial de crescimento a médio prazo; e falhanço do programa de investimento em melhorar infra-estruturas que poderiam suportar crescimento rápido e sustentado a médio prazo.


A publicação do relatório Doing Business do Banco Mundial, também na semana passada, veio revelar como muito pouco significativo têm sido as mudanças feitas no ambiente de negócios em Cabo Verde. Factores como custo de electricidade, acesso ao crédito, protecção de investidores, regime laboral e processo de insolvência continuam a definir pela negativa o ecossistema onde agentes económicos interagem e lutam por resultados positivos. A classificação de Cabo Verde na posição 121º não podia ser motivo de regozijo ou de alguma forma de satisfação por pequenos avanços que eventualmente se estará a fazer. A meio do seu terceiro mandato o governo do PAICV não tem como fugir à sua responsabilidade pelo facto de Cabo Verde não ser competitivo e de ostentar um ambiente de negócios claramente inadequado.


Com o aproximar do fim dos donativos e dos empréstimos concessionais, os desequilíbrios na economia cabo-verdiana só poderão ser corrigidos com o aumento de fluxos externos via investimento directo estrangeiro e receitas de exportações de bens e serviços. Mas para atrair investidores o país tem que ser competitivo. Para produzir bens e serviços que encontrem mercado além-fronteiras tem que propiciar um ambiente de negócios favorável à actividade empresarial e ao empreendedorismo. Uma nova atitude do Estado e do Governo será necessário para isso se materialize. E não será tarefa fácil.


O número de membros do governo que já passaram pelo sector da economia testemunha o quão difícil e arriscado é fazer mudanças de paradigmas, mexer com interesses instalados e apoiar soluções inovadoras. É mais fácil repetir até à exaustão os benefícios que um dia clusters, ainda por emergir, irão trazer. Entretanto, por falta de visão e audácia, recursos importantes continuarão a ser investidos ineficientemente, fazendo crescer a dívida, acenando com falsas promessas de negócios e frustrando expectativas de crescimento e de uma vida melhor. Num contexto desses os apelos do governo são ocos e só podem cair em sacos rotos.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Novembro de 2013

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