quarta-feira, 6 de março de 2013

Transformação ou miragem



 Na Europa, os países do Sul, os chamados PIGS (Portugal, Itália, Gré­cia e Espanha) foram os mais atingidos pela crise financeira. As razões são múltiplas, mas a opinião corrente é que as lideranças nacionais durante dé­cadas não fizeram as transformações que a entrada na zona euro impunha. De facto, uma união monetária com a Alemanha e outros países do norte da Europa exigia alguma convergência em termos de produtividade e de competitividade externa sob pena de se dividirem em países credores e pa­íses devedores. Infelizmente é o que veio a acontecer. Hoje para assegurar crescimento futuro são obrigados a adoptar políticas duras de austeridade e a fazer reformas dolorosas, que a curto prazo trazem desemprego, empo­brecimento geral e perda de qualidade de vida.
Nada disso era previsível anos atrás quando pareciam estar a moderni­zar-se num ritmo estonteante. Na época, os líderes projectavam a imagem de estar a cavalgar ondas de transformação. Inauguravam grandes infra­estruturas, apadrinhavam projectos de modernização e lançavam inicia­tivas tecnológicas de ponta. Exímios no marketing político e em relações públicas, apresentavam-se como a promessa da prosperidade crescente e imparável. Quando se caiu na realidade, ficou claro que muito do esplendor anterior, financiado com fundos comunitários a custo perdido e com dívida pública e privada a juros só possíveis no quadro de uma verdadeira união monetária e fiscal, não passava de “fogo-de-vista” e não contribuía para atrair investimento estrangeiro, abrir novos mercados e alargar a base ex­portadora. Hoje é claro para todos, principalmente para aqueles que mais pagam os excessos, as ilusões e as promessas não cumpridas, que os anos passados de suposta glória e transformação foram de desperdício, de opor­tunidades perdidas e mesmo de aproveitamentos menos lícitos.
A lição parece que não chegou a Cabo Verde. Ouvindo os governantes, fica-se com a impressão de déjà vu. A similaridade com o optimismo e o fulgor governo de Sócrates em Portugal antes da chegada da Troika é por demais evidente. Também aqui a mobilização de milhões de metros cúbi­cos de água, a aposta nas energias renováveis, a promoção das TICs e os clusters tirados quase literalmente da cartola prometem redenção e pros­peridade futura e levar Cabo Verde em 2030 a 12 mil dólares per capita: o ponto onde actualmente se encontram as Maurícias. Há porém uma dife­rença com Portugal. As infraestruturas em Cabo Verde não foram financia­dos com transferências de fundos europeus a custo perdido. Foi com dívida externa e o serviço da dívida já começou a pesar seriamente (ver paginas 28 e 29).
Apesar de o Primeiro-ministro José Maria Neves se ver como líder trans­formacional, a exemplo dos que citou na sua .aula magna.da terça-feira na Escola de Negócios e Governação, a realidade é que mesmo após 12 anos de governo contínuo, o essencial para a sustentabilidade do país não se concretizou. Na sequência dos investimentos públicos não vieram investi­mentos privados, o que indicia prioridades duvidosas, timings errados ou inadequações diversas. Sem o sector privado e sem investimento estrangei­ro e sem competitividade externa como assinalam os relatórios do Forum Económico Mundial e do Doing Business dificilmente se poderá garantir níveis de crescimento necessários durante anos e décadas para acabar com o desemprego, eliminar a pobreza e garantir prosperidade para todos. A estrutura de economia sem uma base diversificada e muito centrada no tu­rismo e ainda em modo de reciclagem da ajuda externa revela o grau da não concretização das transformações prometidas.
Criar novos paradigmas, lançar novas plataformas e ter iniciativas ou mesmo tirar o país da sua rotina habitual não são tarefas para qualquer líder. É mais tentador deixar-se seduzir pela aparência de sucesso e pela popularidade gerada pelo marketing político. Ou então, ficar pela conquis­ta de boa vontade junto da comunidade internacional para poder aceder a fundos que depois se utiliza para reproduzir o paternalismo do Estado e alimentar o assistencialismo e o conformismo das populações. Quando se quer realmente mudar, há riscos a percorrer e experiências a serem produ­zidas.
A marca dos verdadeiros líderes vêem-se mesmo nos momentos de saí­da. O exemplo último foi o do Papa Bento XVI que foi ao ponto de resignar para dar à Igreja a possibilidade de, com um novo Papa, de ultrapassar os escândalos sexuais, resolver problemas organizacionais e adaptar-se para o século XXI. Demonstra uma fibra que já tinha revelado na luta contra o rela­tivismo moral e pela afirmação de que a razão e fé não são incompatíveis.
As nações em momentos de encruzilhada na sua história precisam que a realidade não lhes sejam omitida com recurso ao marketing político ou que sejam desviadas do confronto da realidade por populismos similares ao de Hugo Chávez. Como nos diz a Europa do Sul, miragens pagam-se caro. 

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Março de 2013

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