quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Novo paradigma de participação?

No sábado passado dia 15 de Outubro “indignados” desfilaram em 665 cidades do mundo. A causa próxima da indignação é a carga desproporcional das consequências das medidas de austeridade tomadas para combater a crise que 99% da população vai suportar enquanto o restante 1% fica cada vez mais rico. A desilusão cedeu lugar ao desespero, à medida que se tornavam evidentes os falhanços repetidos dos governos em debelar os efeitos da crise. A percepção geral é que muitos dos postos de trabalho perdidos não serão recuperados e o desemprego estrutural irá situar-se ao nível mais alto de sempre.

A Crise de 2008 conhece agora uma nova evolução. Começou por ser uma dívida financeira, passou a crise económica e depois a uma crise social. O amontoar da dívida soberana pelos estados que se seguiu e a incapacidade de a financiar fez implodir a confiança dos cidadãos na liderança dos respectivos países. As movimentações que se sucedem por toda a parte parecem estar à procura de outras formas de participação dos cidadãos e de escolha e responsabilização dos governantes. Pode-se estar à beira de uma mudança de paradigma com consequências profundas para os sistemas políticos existentes e seus pilares fundamentais, os partidos.

A relação entre governantes e governados certamente que será também afectada. Durante grande parte da década passada o mundo viveu com euforia anos de rápido crescimento em consequência da expansão do comércio internacional e do crédito fácil. Tudo parecia possível e muitos governos prometiam que não havia fim à vista. Fizeram-se reeleger com discursos cheios de meias verdades, com muita propaganda e com um estado despesista. Enquanto todos pareciam estar no mesmo “comboio de alegria” não se notava que uns beneficiavam mais do que os outros. Mas, quando chegou o dia de acertar contas, a verdade teve que ser dita. E foi dura. E as pessoas não perdoaram.

Em Cabo Verde, o fenómeno novo de cidadania sinalizou a sua presença durante as eleições presidenciais. Apontado por alguns como simples artifício de uma candidatura na procura de sobrevivência num ambiente político dominado por partidos, o facto é que se mostrou forte na 1ª volta e decisivo na 2 ª volta. Depois das eleições sente-se que não desapareceu.

A questão grave de energia e água, em relação à qual não se vislumbra solução nem rápida nem duradoira, constituiu um factor de aglutinação do descontentamento dos cidadãos. As pessoas sentem no ar que a exemplo do se passa com a Electra muita coisa não está a ser bem gerida no país. Contribui para isso a crescente insegurança, a precariedade no mundo do trabalho e a perda de valores que faz da solidariedade, do civismo e da honestidade palavras ocas.

Os efeitos da crise foram atenuados com infusão de fundos externos concessionais. A promessa do governo que com os investimentos feitos, particularmente nas infraestruturas, a produtividade e a competitividade do país aumentarão, o investimento privado substituirá o público como motor do crescimento e mais capital directo estrangeiro será atraído. Os indicadores porém não apontam para tais resultados. Cabo Verde poderá estar a se preparar para o tipo de choque sentido em outras paragens, quando descobriram que a sua realidade era feita de meias verdades, de propaganda e das dádivas do Estado. Espera-se que desta aterragem forçada se saia com mais vontade de agir com base em princípios, mas com pragmatismo e menos com objectivos político-partidários de curto prazo.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 19 de Outubro de 2011

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