domingo, 23 de outubro de 2011

Voluntarismo revolucionário

Em Setembro último o Sr. PM decidiu discursar em crioulo na Assembleia Geral das Nações Unidas. Com esse acto, o PM colocou-se à frente das leis do país a começar pela própria Constituição. Em Fevereiro de 2010, a Assembleia Nacional, em sede de revisão constitucional, considerou que o Estado ainda não tinha criado as condições para oficialização do crioulo e que a língua portuguesa continuava por mais algum tempo como a única língua oficial. Perante isto, cabe ao governo criar as condições para a oficialização que conduza a um crioulo escrito e falado standard, aceite e estudado por todos. Certamente que não lhe cabe saltar etapas no processo e muito menos promover certas variantes em detrimentos de outras usando dinheiros públicos. Na ONU, até os países da CPLP tiveram que recorrer a traduções noutras línguas para compreender o representante caboverdiano. Não passaria pela cabeça de nenhum deles utilizar uma das línguas faladas não oficiais no seu país de origem para se dirigirem à comunidade internacional. O voluntarismo aí verificado não é um caso isolado. É só ver os anúncios múltiplos, escritos na rádio e na televisão de vários ministérios e outros agentes públicos num crioulo ao sabor de quem o escreve ou fala. Sempre que isso é feito discriminam-se variantes, ilhas e pessoas a favor de outrem. E usam-se recursos públicos e autoridade do Estado para o impor. A bagunça linguística não para aí. Na rádio e na televisão mesmo o português está sujeito à falta de compreensão das exigências de se ter uma língua oficial. Permitem-se na rádio e televisão nacionais locutores e jornalistas com sotaques óbvios que distorcem significativamente a língua standard. Os vícios de linguagem perpetuam-se porque não há um esforço concertado nas escolas para que as crianças sejam ensinadas a pronunciar correctamente as palavras. Deixam-se completamente os professores à vontade particularmente no ensino básico para passarem aos novos alunos as suas deficiências de pronúncia. Depois, quando ouvem repetidos na rádio esses mesmos defeitos, o ciclo fica completo e gerações são prejudicadas e possivelmente discriminadas por isso. A atitude do Estado nesta matéria tem sido de uma negligência quase criminosa. Fazer política identitária ignorando os perigos que acarreta tem sido uma tentação difícil de resistir por parte do governo. Tem uma compreensão ideológica da história e cultura caboverdiana e procura impô-la usando recursos públicos, em completa violação de princípios constitucionais que impedem que o Estado sujeite os cidadãos a “directrizes filosóficas, estéticas, políticas ou religiosas” da sua escolha. Os custos do voluntarismo são elevados. A violência que lhe é intrínseca, mantêm a sociedade em permanente crispação e não deixa que se estabeleçam as bases do crescimento sólido, consensual e inovador em todas as esferas da vida do país.

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