sábado, 8 de janeiro de 2011

Despartidarizar a Administração Pública

Apresentadas as listas para as eleições legislativas, salta à vista o número de candidatos na lista do partido do Governo que ocupam cargos proeminentes na Administração, nos Institutos Públicos e nas fundações governamentais. Encontram-se entre os candidatos a deputados vários directores gerais, presidentes de institutos públicos, delegados de ministérios nas ilhas e concelhos, membros de conselho de administração de empresas públicas e até o reitor da universidade pública. A ideia do partido/Estado não podia ficar melhor reflectida.

Uma candidatura ao cargo de deputado da nação significa que, pelos menos por cinco anos, se está a fazer uma opção por uma carreira política. A Constituição exige da Administração Pública e dos seus agentes isenção e imparcialidade na condução dos assuntos do Estado. A ética que daí emerge torna incompatível a condição de servidor público e de activista político. Ir contra isso é alimentar a promiscuidade entre a carreira política e a carreira na função pública; significa perpetuar a partidarização da Administração com todos os seus efeitos nefastos já de todos conhecidos.

O partido no Governo escolheu convidar para Deputado dirigentes de órgãos da administração directa, indirecta e autónoma direccionadas para a prestação de ajudas a sectores mais vulneráveis, designadamente crianças, velhos e mulheres, ou mais sensíveis e influenciáveis como os jovens. Compreendem-se, assim, os convites a dirigentes do ICASE, da Fundação Caboverdiana de Solidariedade, do Instituto para a Igualdade e Equidade do Género, da Direcção Geral de Juventude, da Direcção Geral dos Desportos e delegados dos ministérios de Educação e da Agricultura. Quer-se explorar eleitoralmente a relação que porventura eles pessoalmente ou as instituições que dirigem estabeleceram com esse grupo de pessoas. Evidente que isso não é lícito.

Os convites do partido no governo feitas a dirigentes da Função Pública, seja para candidaturas em eleições autárquicas, seja nas eleições legislativas, geram dinâmicas perversas que vão muito além das eleições. Nas autarquias em que forças de oposição ganham um mal-estar permanente, estabelece-se entre os dirigentes dos serviços desconcentrados do Estado e os órgãos municipais, apimentados de tempos em vez com despiques entre membros do governo, e mesmo directores dos serviços centrais, com os presidentes das câmaras.

Também, em antecipação a convites futuros para exercer cargos políticos, alguns dirigentes colocados em instituições de "grande valor relacional" com grupos específicos da população adoptam, à partida, uma vincada atitude política-partidária. No ambiente assim criado dificilmente se desenvolvem os valores da lealdade institucional e da defesa do interesse público e a cultura de prestação de serviço que se exige da administração pública.

Há que pôr um stop a todo este processo que já vem de muito longe. De outra forma, o país nem irá conseguir que emerja do seu seio uma classe política séria, competente e comprometida com o serviço público, nem conseguirá dotar-se de uma administração meritocrática, livre de corrupção e de tráfico de influências e que se vê a si próprio como o instrumento essencial para a realização do interesse geral.

Editorial do Jornal "Expresso das ilhas " de 5 de Janeiro de 2011

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