A governação da década de 90 é sistematicamente atacada pelos governo e dirigentes do PAICV. É uma situação algo estranha na democracia. Noutras paragens, ao novo governo, permite-se-lhe cem dias de lua-de-mel, durante os quais as críticas da oposição e dos mídias são mitigadas, e seis meses para ainda culpar a governação anterior. Passado esse período, o novo governo assume total responsabilidade e sofre o impacto total do criticismo da comunicação social e da oposição. Em Cabo Verde acontece algo de extraordinário: o governo, no fim do segundo mandato, ainda continua a confrontar o que o antecedeu, dez anos antes. E a confrontá-lo de forma dura, cáustica e belicista. A percepção geral é que isso constitui perda de tempo, de energia e de atenção, com consequências na resolução eficaz e atempada dos problemas actuais. E também que constitui falta de respeito para com a nação na medida em que se recusa a assumir as consequências dos seus actos. De facto o País não pára. O Cabo Verde que teve a governação do MpD não é o mesmo de vários anos depois. Não se pode, em boa fé, exigir, hoje, do MpD algo que, há muito, não tem possibilidade de resolver porque não governa. Nem se pode culpa-lo hoje, por eventuais erros cometidos ontem, porque, pela mesma razão, não os pode corrigir. A irrazoabilidade dos ataques, aliada à sua natureza sistemática e permanente, pode levar qualquer observador a concluir que os verdadeiros alvos não são o MpD, ou a sua governação. Procura-se atingir, realmente, a memória e o significado profundo dos anos 90. De facto, essa década decisiva do Pais, não se define como o ano dos dois mandatos do MpD. Ficará fundamentalmente para a História como os anos da libertação do totalitarismo, da adopção da primeira Constituição, Democrática e Liberal, da construção do Estado de Direito democrático, da emergência do mundo autárquico, e das reformas económicas, entre as quais a liberalização económica, as privatizações e o acordo cambial, que restauraram a dignidade e a iniciativa ao indivíduo e integraram o País no mundo e na modernidade. O grande problema nisso tudo é que o PAICV foi um protagonista inconformado em todo o processo. Forçado a fazer a Abertura pelos acontecimentos que desembocaram na queda do Muro de Berlim e no fim da Guerra Fria, tentou manter-se no Poder na nova fase, mas perdeu. A 13 de Janeiro de 1991, viu-se na condição de oposição num sistema político que, de forma inexorável, se afastava dos princípios e valores do regime dos primeiros 15 anos após a independência. A adopção de uma nova Constituição e de uma nova bandeira nacional simbolizou a ruptura completa com o passado. Para o PAICV, apresentar-se perante a sociedade, os correligionários e os amigos internacionais como vítima do novo regime passou a ser um componente essencial da sua estratégia de sobrevivência. Resultou, mas o preço a pagar é demasiado caro, tanto para o partido como para o País e a sociedade. O PAICV vê-se completo na sua trajectória histórica. Não assume o conflito inevitável entre o passado de partido único, que nunca renegou, e a sua condição de partido legitimamente eleito para governar num sistema democrático. O conflito de um partido, hoje no Governo, a beneficiar dos ganhos do percurso em direcção à Boa Governança, ou seja em direcção à Liberdade Política, à Liberdade Económica e à afirmação do indivíduo, e, ao mesmo tempo, a resgatar e a integrar, como inseparável de si próprio, uma longa história de luta contra esses mesmos princípios. As baterias apontadas contra a década de noventa, aparentemente numa postura bélica contra o MpD, são na realidade a forma como o conflito é resolvido no seu seio. Esse é o drama do PAICV. O drama do País é que o Cabo Verde moderno tem que ser construído a partir dos alicerces já erguidos. Ao dedicar tanta energia em atacar a década de noventa o Governo fragiliza o trabalho de dar continuidade à construção das instituições democráticas e ao aprofundamento das reformas económicas que já demonstraram ser necessárias para o crescimento a taxas capazes de combater o desemprego. Mantém o País numa postura de, permanentemente, revisitar passos passados, passos esses cada dia mais distantes e cada vez mais longe do contexto onde se situaram, e eventualmente se justificaram. É tempo dos caboverdianos dizer aos governantes que ninguém os elege para olhar para o passado e para procurar reinterpreta-lo. Não é esse o papel do Estado. Foram eleitos para construir o futuro, salvaguardando as conquistas fundamentais, designadamente as que garantem a dignidade do indivíduo, as que preservam a sua liberdade e as que lhe possibilitam exercer o seu direito à felicidade e à prosperidade pessoal e familiar.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Sanha contra os anos 90
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário