segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Há limite!

As declarações do Governo, na pessoa da Ministra do Turismo, Indústria e Energia, anunciando a suspensão de um técnico por razões alegadamente ligadas ao corte d energia verificado na cidade da Praia no dia 18 de Janeiro desencadeou um autêntico vendaval político. Menos não era de esperar.

O anúncio da suspensão, por um membro do governo, politizou a questão. As referências feitas à possibilidade de haver sabotagem introduziram um elemento potencialmente explosivo, considerando que o País se encontra em campanha eleitoral e obviamente polarizada. A pessoa ou pessoas visadas enfrentam o perigo de serem injustamente acusadas na praça pública e consideradas culpadas sem que os seus direitos de defesa sejam exercidos.

Apagões são, de há vários anos, parte do quotidiano dos caboverdianos em todas as ilhas. Certamente que não é porque, num determinado momento, se está a realizar-se algo relevante que se vai conjecturar que esse preciso apagão é fruto de sabotagem. Aliás, um número razoável de apagões, pela sua frequência e duração, seguramente afectaram, num momento ou outro, algum acto importante, seja dos órgãos de soberania, da administração pública, das empresas, da cultura, do desporto ou mesmo do lazer dos cidadãos.

Um dos grandes temas de discussão nas campanhas para as eleições legislativas de 6 de Fevereiro é necessariamente o da energia e água. Termina-se a década sem ter conseguido ultrapassar os principais constrangimentos nesse sector e sem garantir aos consumidores qualidade e fiabilidade no fornecimento de factores essenciais para a qualidade de vida das pessoas, para a produção nacional e para a competitividade do país. Perante isso, naturalmente que responsabilidades são assacadas e propostas de solução futuras requerem-se das candidaturas partidárias.

O debate livre e sereno de propostas no período eleitoral não deve ser perturbado por acções susceptíveis de criar fracturas graves e provocar paixões cegas. Corre-se o risco de transformar opositores, num pleito eleitoral, em beligerantes com consequências imprevisíveis. Ao governo e ao partido que o suporta exige-se uma atitude de maior contenção e discernimento para que o ritual de legitimação do Poder na democracia se verifique sem sobressaltos.

As últimas eleições legislativas ficaram manchadas por declarações do Sr. Primeiro Ministro ligando a classe política caboverdiana, e implicitamente a oposição, ao mundo da droga. O momento escolhido no dia da votação em que declarações susceptíveis de afectar o voto são proibidas, deixaram em muita gente a sensação de que se procurou chocar o eleitorado para tirar vantagem. O facto de não se ter investigado as denúncias revela o quão frágil ainda é o Estado de Direito em Cabo Verde.

Momentos houve na história de Cabo Verde em que acusações de natureza criminal lançadas contra indivíduos e grupos políticos serviram de pretexto para mobilizar multidões e violar direitos fundamentais. Essa parte negra da nossa história não é para repetir em nenhuma circunstancia. Por isso é de condenar a forma como o governo e o partido que o suporta tratam o assunto da Electra, colocando-se na posição de acusar, julgar e condenar cidadãos e partidos políticos sem consideração devida às leis que regem à República.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2011

sábado, 29 de janeiro de 2011

Maioria absoluta e estabilidade governativa

A questão da bipolarização na política caboverdiana tem sido levantada por várias vezes ao longo dos vinte anos de regime democrático. Alguns críticos do actual sistema ainda não se convenceram das vantagens do confronto democrático. Extrapolam as vantagens do consenso para camuflar as suas preferência se não para o partido único, pelo menos para a existência de um partido solidamente hegemónico. Consideram perda de tempo todo o exercício do contraditório. Para outros criticar bipolarização significa abrir um espaço político no qual pretensões de pequenos partidos em ganhar expressão e dimensão podiam realizar-se. Nos discursos da generalidade dos críticos da bipolarização há um "travo" qualquer que lembra discursos anti-partidos em regimes do tipo salazarista e discursos contra o pluralismo em regimes de partido único. Não se nota a preocupação em compreender as dificuldades de origem da democracia cabo-verdiana e as razões da crispação política que a caracteriza. Com a inauguração da democracia a 13 de Janeiro, Cabo Verde deparou-se com uma situação insólita em que do lado do governo ficou o movimento popular, que derrubou o regime anterior, e, na oposição, o ex-partido único. A construção das instituições democráticas ficou marcada pela ausência de forças políticas na área do Poder francamente comprometidas com a democracia, do tipo PS/PSD em Portugal ou do tipo PP/PS em Espanha, para só citar alguns exemplos. O resultado é que a Nova Constituição não foi votada pela oposição e a mudança nas instituições, e particularmente na administração pública, sujeitou-se a vários percalços. Concomitantemente o processo de reestruturação a partir de uma economia estatizada e autárcica para uma economia de base privada e inserida no mundo foi contestado a passo e passo. A crispação política não desapareceu mesmo com a chegada do ex-partido único ao poder dez anos depois. Querendo ser origem de tudo em Cabo Verde, o PAICV não se reconcilia com o facto dos fundamentos do Cabo Verde moderno ser o legado das profundas transformações no domínio político e económico verificadas nos anos 90. E ataca, ataca sempre. A tensão política existente não resulta da bipolarização em si mesma mas da particularidade da força política que, seja na oposição, seja no governo, nunca se sente tranquila. Talvez porque outras forças existem. E não muda também porque não há pressão social e política que force todos os actores políticos a se regerem pelas regras do jogo democrático. A presença de uma terceira força não ia alterar nada. É só relembrar a violência com que se tem dirigido à UCID sempre esse partido toma uma posição claramente distinta e oposta à sua. A não existência de uma maioria absoluta muito provavelmente iria aumentar a tensão política. Expectativas de eleições antecipadas estariam sempre presentes. A Constituição caboverdiana, diferentemente da Lei Fundamental portuguesa, não deixa muito espaço para governos minoritários. Obriga a aprovação de uma moção de confiança por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funçõesno início do mandato do Governo e exige que todas os projectos e propostas de lei seja votados também por maioria absoluta. Em Portugal as leis são aprovadas por maiorias simples e é a rejeição do programa do governo por maioria absoluta que leva a demissão do Governo. Por aí vê-se que a existência de uma maioria absoluta sólida é base fundamental para estabilidade governativa em Cabo Verde. A existência de uma terceira força expressiva provavelmente complicaria o quadro político sem trazer os benefícios de diminuição da crispação política. Muito pelo contrário.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Jogo da "bolha"

No jogo da bolha também conhecido por jogo de pirâmide ou esquema de Ponzi o dinheiro de novos “entrantes” alimentam as extraordinárias mais valias ganhas pelos já lá estavam antes. A bolha estoura quando ninguém mais põe dinheiro suficiente para garantir os juros elevados pagos aos outros. Uma coisa é sempre certa nesse tipo de jogo: há uns poucos ganhadores que são os que montaram o esquema e aliciaram outros a participar. Perdedores são muitos e são aqueles que se deixaram apanhar na miragem de lucros fáceis e fartos. A crise financeira que lançou o mundo na Grande Recessão teve na sua origem em algo que, segundo o economista Paul Krugman, assemelha-se a um “gigantesco esquema de Ponzi”. Alguns faziam muito dinheiro à medida que muitos outros lançavam-se a comprar casas acima das suas posses, seduzidos pela subida aparentemente imparável do valor comercial das mesmas. Sabe-se o que aconteceu quando o mundo real bateu à porta e muitos deixaram de poder pagar as amortizações mensais. Tudo veio abaixo. Um outro esquema que apresenta bastantes semelhanças com o “jogo da bolha” é o modelo preferido do PAICV de desenvolvimento com base na ajuda externa. Sustentam o jogo a cooperação externa, a ajuda orçamental, os programas de instituições internacionais como o Banco Mundial. Os programas de ajuda em doações ou empréstimos, ao longo do tempo, vão se justificando com os avanços, muitas vezes aparentes, nos índices de desenvolvimento e de governança e na modernização e competitividade da economia. Mas raramente há retorno adequado dos investimentos seja em emprego, seja em crescimento. A realidade é que ano após ano a situação das populações não muda significativamente, a desigualdade social aumenta e a disparidade entre o campo e as cidades, em particular a cidade Capital, acelera. Á volta do Estado/gestor da ajuda cresce uma elite cúmplice e engajada em perpetuar a situação de dependência das populações porque é nessa gestão que reside a fonte dos seus rendimentos e do seu poder. Entretanto pelo país proliferam, como num cemitério, marcas deixadas por projectos sucessivos da cooperação externa sem que resultados práticos, perenes e sustentáveis sejam visíveis nas comunidades, nas famílias e nas pessoas. Elefantes brancos resultantes de investimentos feitos mais por razões de prestígio e de expedientismo político do que por razões de natureza económica e estratégica completam o quadro. A economista zambiana Dambisa Moyo ilustra muito bem essa questão no seu livro “Dead Aid”. O problema com tais esquemas é que, a exemplo de todos os jogos da bolha, o estouro final acaba sempre por acontecer. Assim, da fase de doações passa-se à da dívida concessional e posteriormente à dívida comercial que poderá, rapidamente, revelar-se incomportável e dar origem à reestruturação da dívida soberana com todas as suas consequências. Os sinais, que se está a chegar ao limite, notam-se nas dificuldades crescentes em conseguir financiamentos nas condições anteriores. Cabo Verde está queimar os seus últimos cartuchos com as linhas de créditos conseguidas de Portugal. Os investimentos feitos falharam em criar emprego a curto prazo e mostram-se duvidosos em termos de proporcionar crescimento a médio, longo prazo. Contribuíram porém para se ultrapassar os limites do endividamento sutentável e o FMI já extraiu do Governo do PAICV a promessa de que 2011 vai ser o ano do apertar do cinto. Como em todos os momentos em que a “bolha” rompe-se, sofrem os mais os pobres e vulneráveis. O Governo finge não saber da situação difícil do país e do contexto internacional também difícil que vai ser o ano 2011 com a subida do preço do petróleo, dos cereais e dos minérios. Segundo o jornal Financial Times da segunda-feira , calcula-se que o aço em 2011 vai sofrer um aumento de 66%. Com todos estes dados, o PAICV, em tempo de eleições, promete “mais do mesmo” como se nada estivesse a acontecer. Simplesmente para se agarrar ao Poder por mais cinco anos.

Progresso. Como avaliá-lo?

"Dicas" do Presidente Barack Obama no discurso do Estado da União de 25 de Janeiro de 2011 (tradução livre)

“Estamos já prontos para o progresso. Dois anos após a pior recessão dos nossos tempos a Bolsa de Valores voltou à alta. Os lucros das empresas aumentaram. A economia está a crescer novamente.

Mas nós nunca avaliamos progresso só com essas medidas. Avaliamos progresso pelo sucesso do nosso povo. Pelos postos de trabalho que podem encontrar e a qualidade de vida que esses empregos podem oferecer. Pelas possibilidades de sucesso de um pequeno homem de negócios que sonha transformar uma boa ideia numa empresa florescente. Pelas oportunidades de uma vida melhor que legamos às nossas crianças”.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sanha contra os anos 90

A governação da década de 90 é sistematicamente atacada pelos governo e dirigentes do PAICV. É uma situação algo estranha na democracia. Noutras paragens, ao novo governo, permite-se-lhe cem dias de lua-de-mel, durante os quais as críticas da oposição e dos mídias são mitigadas, e seis meses para ainda culpar a governação anterior. Passado esse período, o novo governo assume total responsabilidade e sofre o impacto total do criticismo da comunicação social e da oposição. Em Cabo Verde acontece algo de extraordinário: o governo, no fim do segundo mandato, ainda continua a confrontar o que o antecedeu, dez anos antes. E a confrontá-lo de forma dura, cáustica e belicista. A percepção geral é que isso constitui perda de tempo, de energia e de atenção, com consequências na resolução eficaz e atempada dos problemas actuais. E também que constitui falta de respeito para com a nação na medida em que se recusa a assumir as consequências dos seus actos. De facto o País não pára. O Cabo Verde que teve a governação do MpD não é o mesmo de vários anos depois. Não se pode, em boa fé, exigir, hoje, do MpD algo que, há muito, não tem possibilidade de resolver porque não governa. Nem se pode culpa-lo hoje, por eventuais erros cometidos ontem, porque, pela mesma razão, não os pode corrigir. A irrazoabilidade dos ataques, aliada à sua natureza sistemática e permanente, pode levar qualquer observador a concluir que os verdadeiros alvos não são o MpD, ou a sua governação. Procura-se atingir, realmente, a memória e o significado profundo dos anos 90. De facto, essa década decisiva do Pais, não se define como o ano dos dois mandatos do MpD. Ficará fundamentalmente para a História como os anos da libertação do totalitarismo, da adopção da primeira Constituição, Democrática e Liberal, da construção do Estado de Direito democrático, da emergência do mundo autárquico, e das reformas económicas, entre as quais a liberalização económica, as privatizações e o acordo cambial, que restauraram a dignidade e a iniciativa ao indivíduo e integraram o País no mundo e na modernidade. O grande problema nisso tudo é que o PAICV foi um protagonista inconformado em todo o processo. Forçado a fazer a Abertura pelos acontecimentos que desembocaram na queda do Muro de Berlim e no fim da Guerra Fria, tentou manter-se no Poder na nova fase, mas perdeu. A 13 de Janeiro de 1991, viu-se na condição de oposição num sistema político que, de forma inexorável, se afastava dos princípios e valores do regime dos primeiros 15 anos após a independência. A adopção de uma nova Constituição e de uma nova bandeira nacional simbolizou a ruptura completa com o passado. Para o PAICV, apresentar-se perante a sociedade, os correligionários e os amigos internacionais como vítima do novo regime passou a ser um componente essencial da sua estratégia de sobrevivência. Resultou, mas o preço a pagar é demasiado caro, tanto para o partido como para o País e a sociedade. O PAICV vê-se completo na sua trajectória histórica. Não assume o conflito inevitável entre o passado de partido único, que nunca renegou, e a sua condição de partido legitimamente eleito para governar num sistema democrático. O conflito de um partido, hoje no Governo, a beneficiar dos ganhos do percurso em direcção à Boa Governança, ou seja em direcção à Liberdade Política, à Liberdade Económica e à afirmação do indivíduo, e, ao mesmo tempo, a resgatar e a integrar, como inseparável de si próprio, uma longa história de luta contra esses mesmos princípios. As baterias apontadas contra a década de noventa, aparentemente numa postura bélica contra o MpD, são na realidade a forma como o conflito é resolvido no seu seio. Esse é o drama do PAICV. O drama do País é que o Cabo Verde moderno tem que ser construído a partir dos alicerces já erguidos. Ao dedicar tanta energia em atacar a década de noventa o Governo fragiliza o trabalho de dar continuidade à construção das instituições democráticas e ao aprofundamento das reformas económicas que já demonstraram ser necessárias para o crescimento a taxas capazes de combater o desemprego. Mantém o País numa postura de, permanentemente, revisitar passos passados, passos esses cada dia mais distantes e cada vez mais longe do contexto onde se situaram, e eventualmente se justificaram. É tempo dos caboverdianos dizer aos governantes que ninguém os elege para olhar para o passado e para procurar reinterpreta-lo. Não é esse o papel do Estado. Foram eleitos para construir o futuro, salvaguardando as conquistas fundamentais, designadamente as que garantem a dignidade do indivíduo, as que preservam a sua liberdade e as que lhe possibilitam exercer o seu direito à felicidade e à prosperidade pessoal e familiar.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sem ética

Um engenheiro da Electra é suspenso. Estranha-se que quem faz o anúncio é a Ministra de Turismo e Energia. A governante, em conferência de imprensa , fala de coincidências entre cortes de energia e eventos políticos: “no dia em que um determinado partido ia dar uma conferência de imprensa sobre a situação energética do país, um outro muito recentemente quando decorriam dois importantes eventos políticos no país, um no Gimno Desportivo e outro na Gamboa, bem como o apagão no dia em que o primeiro-ministro ia apresentar o seu livro”. E conclui que os problemas da Electra só podem ser consequência de sabotagem. A ministra como o restante governo do PAICV reclama uma ética de intenções sempre que é confrontada com uma ética de resultados e de responsabilidade: “todo o trabalho que o Governo está a fazer foi para criar uma situação de estabilidade no sector de energia e nada previa crer que estivéssemos a atravessar por essa situação”. Por isso esquiva-se de prestar contas pelos sucessivos anos em que não soube, não quis ou ignorou os problemas graves no sector. Diz que já fez todos os investimentos e todas as infraestruturas e que não se pode atribuir-lhe a culpa por falta de resultados designadamente no emprego, no crescimento da economia, na qualidade de ensino, na saúde, no sistema de transportes inter-ilhas, na luta contra a pobreza, etc,. Como alguém bem disse "quando só intenções contam a ética torna-se inútil. Só serve como método para avaliar os actos dos outros. Deixa de ser um guia para a acção". Aplicado a Cabo Verde significa: o Governo tem boas intenções no que faz. Quem está mal são os que exigem resultados e são maldizentes, sabotadores e antipatriotas. A falta de ética de responsabilidade que se vive em Cabo Verde não é de hoje. Os dirigentes do PAIGC/PAICV sempre proclamaram as suas "gloriosas intenções" de levar Guiné e Cabo Verde à independência. Mas nunca assumiram as consequências dos seus actos em como se traduziram na destruição da Guiné no pós-independência e na falta de liberdade, no atraso e no sofrimento trazido pelo regime de partido único em Cabo Verde. Robert Mugabe e quejandos também vão pela essa ética de intenções e recusam-se a prestar contas. Vêem-se as consequências dessa atitude no Zimbabwe de hoje. Por tudo isso, é de se condenar esta última tentativa do governo de procurar em actos de sabotagem razões para os dez anos da sua má gestão no sector de energia e água. O caso é ainda mais grave porque o país se encontra em pleno período eleitoral. A procura de bodes expiatórios, nestes momentos em que a sociedade se encontra polarizada pelas disputas eleitorais, revela uma irresponsabilidade preocupante pelas consequências trágicas que, ao nível individual, social e político, pode trazer. Mas é mais um acto que se vem juntar aos outros actos belicosos do PAICV, designadamente em relação à CNE e à Câmara da Praia que revelam todo o cinismo e a hipocrisia por detrás dos apelos do PAICV contra a violência eleitoral.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ser e parecer

Um dos grandes ganhos da II República foi o Estado de Direito democrático. O 13 de Janeiro deu o pontapé de saída para a sua construção. Os caboverdianos puderam escolher livremente de entre vários candidatos os seus governantes. E a legitimidade do exercício de Poder pelo Estado passou a depender do seguimento estrito da Constituição e das Leis. Um poder judicial independente foi erigido para assegurar-se de que assim é e para bloquear atentados aos direitos fundamentais dos cidadãos.

A expectativa de Paz e Justiça de todos os caboverdianos depende em muito da percepção que impera no país o Primado da Lei. Nos quinze anos de regime de partido soube-se o que significava lidar com um Estado que não se sentia obrigado pelas leis e que podia a seu bel-prazer atropelar direitos a começar pelo direito à vida e à liberdade. Uma especial responsabilidade tem sempre os governantes do momento em manter o Estado dentro da legalidade estrita. É essencial para os cidadãos se sentirem seguros e tranquilos de que os fundamentos do Contrato Social estão a ser cumpridos.

Exige-se nos períodos eleitorais que são de legitimação e transferência de Poder nas democracias uma sensibilidade maior do Estado tanto no “ser” como no “parecer”, quanto á sua aderência estrita à lei . O princípio de igualdade de oportunidades e de tratamento de todas as candidaturas obrigam a que o Estado, sem deixar de funcionar, se mova para um nível de neutralidade e imparcialidade. Assim é porque devido à autoridade que comanda, aos recursos desproporcionais que detêm e à abrangência da sua actuação pode influenciar acontecimentos, organizações e pessoas, esvaziando de conteúdo completamente o princípio de igualdade das candidaturas acima referido.

O Código Eleitoral justamente retoma o princípio constitucional do nº 5 do artigo 99º da CR que obriga á “neutralidade e imparcialidade de todas as entidades públicas” e regula todo o processo eleitoral. De todos os partidos e candidatos envolvidos nas disputas eleitorais espera-se que cumpram as regras do jogo de modo a garantir transparência, lisura e legitimidade ao processo de escolha popular. Particular exigência de probidade pede-se do partido que suporta o governo precisamente porque está em posição de, de alguma forma, usufruir da influência, autoridade e recursos do Estado.

O comportamento do PAICV desde do início do período pré-eleitoral não tem sido o mais tranquilizador. Claramente aproveita-se das prerrogativas da governação para continuar a explorar eleitoralmente realizações passadas, outras ainda por completar e fazer novas promessas. Ministros viajam pelas ilhas e fazem-se convidar em cerimónias de inaugurações como forma de contornar a proibição da lei eleitoral quanto a inaugurações, patrocínios e donativos. Paralelamente o partido tem comportamento belicoso como aconteceu com a chamada “guerra dos outdoors” onde o Estado acabou coimado pela Comissão Nacional de Eleições. Nos últimos dias, envolveu-se em conflito aberto com a Câmara Municipal da Praia devido à utilização indevida de espaços públicos para colocação de propaganda política.

A deliberada violação de normas legais por quem tem a responsabilidade de dirigir Estado é extremamente grave. Pode configurar um quadro de intimidação, na medida em que deixa todos perceber que não se vê limitado na sua actuação pelas leis da república. Qualquer atitude de intimidação por parte das autoridades é grave. Mas ostensivamente mostrar-se não constrangido pelas leis em vésperas de eleições é gravíssimo.

Impõe-se que neste momento em que se celebra os vinte anos do começo do Estado de direito democrático em Cabo Verde todas as forças políticas, e particularmente o partido do Governo, mostrem sem ambiguidades o seu completo comprometimento e aderência aos seus princípios fundamentais.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 19 de Janeiro de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Quebra de 6% no crime?

A Polícia Nacional, nos primeiros dias de Janeiro, uma vez mais veio anunciar queda na criminalidade. O sentimento geral da população nas diferentes ilhas é totalmente oposto. Em particular nas ilhas de S.Vicente, Sal Santiago e Boavista diz-se que houve aumento da insegurança. Ano após ano a discrepância entre as estatísticas da polícia e a percepção da população vem-se acentuando. Há algo que não está bem e que deve ser investigado. Cabe às autoridade avaliar os métodos de recolha, classificação e tratamentos dos dados. Recentemente, em Nova Iorque, a polícia metropolitana foi confrontada com situação idêntica. Os dados de criminalidade não traduziam o sentir da população. A resposta veio célere em forma de criação de um painel de experts exteriores constituído por ex-magistrados do Ministério Público para auditar todo o sistema estatístico da polícia. As razões para se afinar o sistema vão desde garantir a confiança dos cidadãos passando pelas necessidades de ter dados fiáveis para se planear a acção policial e também para se avaliar da eficácia dos métodos operacionais adoptados. Segundo o New York Times de 5 de Janeiro casos se verificaram em que crimes graves foram classificados como crimes menores ou simples transgressões e casos outros em que os ofendidos foram dissuadidos de apresentar queixa, deixando assim de fazer parte das estatísticas. Entre nós, há que ver o que está mal e corrigir para que a eficácia da polícia aumente e seja maior a confiança que a população nela deposita.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A violência nas mentiras do Estado

Podia-se estranhar a forma assanhada e violenta como o líder do Paicv e Primeiro Ministro, o Dr. José Maria Neves, caiu sobre o líder do MpD, o Dr. Carlos Veiga, no debate da quinta feira. Mas não. Afinal usa as mesmas armas de que o Pais já se habituou a ver os militantes do Paicv a esgrimir em todos as situações: “Carlos Veiga abandonou o Governo”; “Carlos Veiga é contra o Poder Local porque disse que pedra não joga com garrafa e há filhos de dentro e filhos de fora” etc, etc. Se o debate se prolongasse, mais outras acusações, como o do chamado caso Enacol, iriam ressurgir das trevas. Comum a todas elas é que não correspondem minimamente aos factos. O Tribunal Constitucional, em Acórdão de 4 de Dezembro de 2000, disse peremptoriamente que não houve abandono do governo e que o então Primeiro Ministro, Carlos Veiga, simplesmente cumpriu a lei quando, com o anúncio da sua candidatura a PR, as suas funções foram automaticamente suspensas. Quanto ao Poder Local foi no governo de Carlos Veiga e com a Constituição de 1992 que reapareceram as câmaras após os 15 anos de Partido Único e de hostilidade extrema à autonomia municipal. A questão da ENACOL baseia-se num documento declarado falso pela Procuradoria Geral da República, após exaustivas investigações. O líder do Paicv, e também Primeiro Ministro, ao pegar em mentiras óbvias para atacar opositores mostra o total desrespeito pelas instituições da República e por todos que naquela noite estavam a seguir no dabate. Mas esse é o estilo de propaganda que o PAIGC/PAICV sempre submeteu Cabo Verde. Cria pseudo factos e obriga todos a aceitá-los e a repeti-los apesar das evidências em contrário. As próprias instituições do Estado são instrumentalizadas para encarnarem essas “verdades históricas”. Um exemplo é a comemoração de 44º aniversário das Forças Armadas no dia 15 de Janeiro num país que só tem 35 anos de existência como Estado independente. Coisa similar acontece, por exemplo, na China em que se comemoraram no ano passado os 83 anos do Exercito de Libertação Popular e os 61 anos da República Popular. Mas aí é claro como diz o presidente Hu Jintao “as forças armadas estão sob o comando do partido comunista”. Não são propriamente forças armadas republicanas. Em Cabo Verde, as FARP, forças armadas revolucionárias do povo e braço armado do partido, desapareceram com a Constituição de 1992, para dar lugar às Forças Armadas de Cabo Verde. É dever das FA cuja missão fundamental é a defesa da ordem constitucional não fugir a essa ordem e reportar-se a algo que só serve a vaidade de uns e a pretensões ao Poder fora da constituição. Já é tempo de Cabo Verde sacudir essa forma de fazer política com base em desinformação, meias verdades e inverdades grosseiras. Revela a persistência de uma cultura política nociva, desrespeitosa da nação e atentatória à dignidade das pessoas. Theodore Dalrymple em poucas palavras revelou a essência dessa cultura: No meu estudo das sociedades comunistas, cheguei à conclusão de que o propósito da propaganda comunista não era persuadir, nem convencer, mas humilhar – e, para isso, quanto menos ela correspondesse à realidade, melhor. Quando as pessoas são forçadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou, pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, elas perdem de uma vez para sempre todo o seu senso de integridade, honestidade e decência. (...) A capacidade de resistência das pessoas é desgastada (...) [E] uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar.”

domingo, 16 de janeiro de 2011

Basta de discurso estéril e abusivo

No discurso de cumprimentos ao PR o Primeiro Ministro foi igual a si próprio.Assim como há dias foi no debate dos líderes dos partidos onde as suas intervenções foram pontuadas por insultos e promessas de fazer "mais do mesmo". Retomou as inverdades históricas que tem repetido durante os seus anos de mandato em tom histriónico de acusação ao MpD e à governação nos anos noventa. Mostrou que ainda tem necessidade de justificar os seus fracassos e promessas não cumpridas indo desenterrar o adversário de dez anos atrás. É uma falta de sentido de responsabilidade impensável em qualquer democracia. Mas que em Cabo Verde ganha aparente razoabilidade porque os eleitores não são confrontados com alternativas de governanção, mas sim com cenários apocalípticos, cenários do Fim do Mundo. JMN diz é em Santiago Norte há que votar Cabo Verde ou … . Fica nas entrelinhas. Em tais situações quem arvora ter missão histórica e transcendental não tem dúvidas. Só tem certezas. Por isso não se responsabiliza pela falta de resultados no domínio da criação de emprego do emprego que lhe podiam informar que o combate contra a pobreza não está realmente a ser ganho. Não se responsabiliza pela falta de uma base alargada e diversificada de exportações que lhe dá a indicação que o país não está a ser competitivo e que poderá não estar em condições de criar os milhares de postos de trabalho de que precisa a curto e médio prazo. E não se responsabiliza pela fraca qualidade do capital humano que lega ao país e pela delapidação de capital social e de confiança entre os caboverdianos, derivada da insegurança material e física dos últimos anos, que já estão a constituir um travão a qualquer tentativa de arranque. Passa de lado qualquer responsabilidade pelo facto de não existir na sociedade a atitude certa que seria de quebrar o espírito de dependência e de o substituir pelo empreendedorismo e a cultura de serviço indispensáveis no mundo globalizado de hoje. Optou por fazer alarde de obras feitas com base em empréstimos de última hora. Empréstimos subordinados às estratégias de exportação de outros países. Obras ditadas mais pelo expedientismo de natureza politico-partidária do que por um plano estratégico. Ilhas como S.Vicente e Sal perderam oportunidades valiosas com repercussões globais na economia nacional por falta da visão estratégica que saberia definir prioridades e encadear acções com vista a resultados concretos e mensuráveis. A obra vital que seria o estabelecimento de um sistema de produção de energia e agua fiável, eficiente e económico não se concretizou apesar dos milhões que a propanganda diz foram aplicados. Chegar ao fim de uma década com uma economia que, para crescer depende quase unicamente no turismo é uma confissão inequívoca de fracasso. A alta taxa de desemprego e o crescimento raso também apontam nesse sentido. As remessas de emigrantes (mais do valor de um MCA por ano), as doações de países amigos e os empréstimos têm ajudado a mascara a situação real do país. Mas o facto é que o País não tem recursos naturais, não exporta e tem fraco capital humano. Sobrevive-se, e há mesmo algum crescimento, mas os limites são claramente visíveis no quadro deste modelo e revelam-se no nível de desemprego persistente no país. O PAICV claramente que pretende manter esse modelo caduco e por uma razão simples: dá-lhe os instrumentos do Poder sobre a sociedade como ele o entende. Gosta de dependência. Mas hoje é evidente que não só não resulta a curto prazo na criação dos milhares de emprego que o Pais urgentemente precisa como alimenta todos os obstáculos que impedem o país de aproveitar em pleno e em tempo as oportunidades quando elas se apresentam. Como ficou demonstrado nos anos 2006, e 2007.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Campanha a partir do Palácio do Platô

Sob o disfarce da apresentação dos cumprimentos ao Presidente da Republica, no início do Novo Ano, o Sr. Primeiro Ministro fez no dia 6 de Janeiro o balanço da sua governação numa perspectiva clara de campanha com vista às eleições legislativas marcadas para 6 de Fevereiro. A Constituição estabelece claramente que o Governo é politicamente responsável somente perante o parlamento. Não há pois cabimento constitucional para apresentação de balanços de governação ao PR. No parlamento, a apresentação do estado da Nação é seguida de discursos dos outros partidos e de um debate no contraditório. O que se assistiu na quinta-feira foi mais um expediente do PAICV: o Dr. José Maria Neves a falar sozinho e sob os holofotes de toda comunicação social, particularmente da rádio e da televisão públicas. Um privilégio dado pelo Primeiro Ministro ao líder do partido no governo num período já de campanha em que as leis eleitorais exigem neutralidade e imparcialidade das autoridades. É um jogo a que os cabo-verdianos vêem assistindo neste período. Os pretextos variam: se não é um balcão qualquer que se está a inaugurar, é um novo comunicado do MCC que se está celebrar ou então a chagada do catamarã que põem todo o mundo em polvorosa. O PAICV, via Governos e os seus titulares, faz campanha rija e descarada enquanto cinicamente exige que os outros se contenham e não ultrapassem os limites fixados pela lei eleitoral. A consolidação da democracia passa por fazer os cidadãos acreditar que é possível fazer política com honestidade, verdade e “fair play”. Há quem insista em fazer crer o contrário.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A CNE, o art. 105º e a liberdade de imprensa

A coimas aplicadas aos jornais “”, “Liberal” e a “Asemana” geram controvérsia em todos os quadrantes. Isso porque as razões apresentadas pela Comissão Nacional de Eleições para penalizar esses órgãos de imprensa parecem colidir com sacrossanta liberdade de expressão e de informação indispensável numa democracia, mormente nas vésperas das eleições. A CNE justifica as suas acções com o princípio constitucional de igualdade de oportunidade e tratamento das candidaturas, estabelecido no nº5 do artigo 99º da CR, e cita o artigo 105º do Código Eleitoral. As várias alíneas do nº 2 desse artigo limitam, de facto, a transmissão, a difusão, a manipulação de programas e imagens que ponham em vantagem candidatos, partidos ou coligações. A questão que se pode colocar é se tais restrições são aplicáveis a todos os órgãos de comunicação social ou só àqueles que fazem “transmissões, difusões, usam imagens e podem truncar áudio e vídeo”, ou seja à radiodifusão e à televisão. A Constituição trata de forma diferente os órgãos de comunicação social. Tem normas especiais para os órgãos públicos. Em relação aos privados faz diferença entre a imprensa escrita e os órgãos como a rádio e a televisão que se servem do espectro electromagnético pertencente ao domínio público. Estipula claramente no nº 6 do artigo 60 que a criação e a fundação de jornais e outras publicações não carece de autorização, enquanto para a rádio e televisão no nº 7 do mesmo artigo exige que se faça concurso público para adquirir licença. No serviço público da rádio e televisão obriga a que fique assegurado a expressão e o confronto das diversas correntes de opinião. Tal imposição, porém, não se aplica aos órgãos privados. Esse sujeitam-se simplesmente a garantir tempos de antena regulares e equitativos a todos os concorrentes nos períodos eleitorais (nº4 do artigo 58 da Constituição da República). A posição de constitucionalistas como Gomes Canotilho e Vital Moreira é que nos órgãos públicos o pluralismo e igual tratamento de opiniões é assegurado internamente. Mas que nos outros órgãos de comunicação consegue-se pluralismo agindo externamente no meio circundante, pela via designadamente de regulação do acesso a licenças, da manutenção do ambiente de concorrência e da facilitação da criação livre de jornais. Pelo que foi dito fica claro que a abordagem que Constituição faz e obriga a fazer da problemática da comunicação social é complexa e diferenciada. Nesse sentido custa a crer que o legislador com o artigo 105º do Código Eleitoral quisesse tolher gravemente a liberdade de expressão na imprensa escrita com preocupações de igualdade de tratamento de candidaturas quando é comprovadamente fácil qualquer organização ou indivíduo recorrer a outros jornais ou criar o seu próprio para fazer valer o seu ponto de vista. Já a radiodifusão e a televisão pedem uma outra posição. Os Meios são mais caros e carecem de licença, por isso mostra-se razoável que se exija que sejam mais comedidos e que sem ferir a liberdade de expressão e informação a que têm direito não anulem o princípio de igualdade de tratamento de todos os candidatos. Concluindo, a percepção geral de que as posições da CNE em relação aos jornais têm sido consideradas demasiado severas advém muito provavelmente do facto de que as restrições da lei eleitoral não lhes ser aplicáveis. Ou então, que num quadro de direitos concorrentes a liberdade de expressão e de imprensa saía tão gravemente prejudicada, sofrendo restrições que a Constituição não prevê e que nenhuma maioria, ou supermaioria, pode criar.

Relembrando o caminho até o 13 de Janeiro

Comemorou-se em Novembro do ano passado dia o décimo quinto aniversário da Queda do Muro de Berlim. As imagens desse extraordinário dia ocuparam mais uma vez os ecrãs das televisões em todo o mundo. Milhões reviveram os momentos por que passaram no seu próprio país até conseguirem libertar-se do comunismo. Muitos outros milhões lembraram-se como a queda do Muro lhes trouxe esperança. Como regimes totalitários em todos os continentes de repente deixaram de meter medo e multidões derramaram-se nas ruas clamando pela Liberdade, pela Democracia e pelo direito a uma vida melhor, mais próspera, mais justa. Ao longo do 1989, nos então satélites da União Soviética, a revolução democrática já se tinha posto em movimento. Na Polónia, Lech Walesa, o líder do movimento sindical Solidariedade desde 1980, já tinha causado brechas suficientes no regime, abrindo caminho para um primeiro governo não comunista, em Setembro. Hungria, nos fins de Outubro, precipitava-se rapidamente em direcção ao multipartidarismo. Quase duas semanas depois da queda do Muro de Berlim, em Novembro, Checoslováquia viveu a sua Revolução de Veludo e o fim do jugo soviético. Na Roménia a experimentação comunista iria terminar de forma sangrenta com o fuzilamento de Ceaucescu e da sua mulher no dia de Natal. O ano 1990 arrancou com as imagens macabras dos Ceaucescu a assombrar todos os ditadores por esse mundo fora. Em Fevereiro, na União Soviética, o partido comunista deixou cair da Constituição o artigo 6º que o consagrava como força e guia da sociedade e do Estado. Dias depois, em Cabo Verde, o então partido único, o PAICV anunciava a abertura política. Num comunicado emitido a 19 de Fevereiro predispôs-se a abandonar a sua condição de força dirigente da sociedade e do Estado, o célebre artigo quarto, numa revisão constitucional a realizar-se na legislatura pós 1991. Eleições pluripartidárias só seriam realizadas em 1995. Samuel Huntington, o grande cientista político americano, considerou as democratizações em cadeia que se verificaram na sequência da queda do Muro de Berlim como parte de Uma Terceira Vaga de Democracia, que iniciara 25 anos antes com o 25 de Abril em Portugal. Cabo Verde falhou em apanhar a onda democrática de 1974. Por isso, em 1990, era um dos dominós em queda, no quadro do que Ken Jowit, recorrendo á analogia dos dinossauros, chamou da Extinção Leninista, ou seja, o desaparecimento repentino, acelerado e compreensivo de regimes leninistas em todo o mundo.